Prévia de estudo sobre trabalho escravo é apresentada em congresso no TRT-8

O levantamento aponta a prevalência dessa prática na pecuária do Pará
foto mostra a palestrante Irina Bacci sentada, falando ao microfone no auditório do TRT-8. Mulher branca, de
Descrição de imagem: fotografia da palestrante Irina Bacci sentada, falando ao microfone no auditório do TRT-8. Mulher branca, de cabelos grisalhos lisos, óculos, vestindo camisa branca.

O trabalho escravo é o tipo que prevalece na pecuária do Pará. É o que apontam os dados preliminares de estudo feito pela Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento (PADF) e pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (NORC) da Universidade de Chicago (EUA). Os destaques do levantamento foram apresentados em primeira mão durante o II Congresso sobre Trabalho Escravo Contemporâneo na Amazônia, organizado pela Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA em parceria com Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento (PADF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8).

 

A mesa redonda aconteceu na última segunda-feira (13) com o tema “Trabalho escravo na Cadeia Produtiva da Carne no Pará: análises e desenvolvimento de intervenção”. A mediação foi do professor doutor Saulo de Matos (CCTE/UFPA), tendo como painelistas Irina Bacci, diretora técnica da PADF e o professor doutor Daniel Justi, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

 

Bacci conta que foram dois meses em campo, em parceria com o Instituto Papel Social, para fazer um estudo de prevalência que ouviu cerca de 1.200 trabalhadores. Houve um mapeamento das rotas de aliciamento de trabalhadores para trabalho escravo na pecuária. O resultado do estudo está em fase de análise, quando haverá cruzamento entre dados qualitativos e quantitativos.  

 

O perfil mais frequente é de homens (75%), que se definem como pardos (66%), com média de 43 anos. Do total, 53% disseram trabalhar como diaristas, durante 9 horas diárias ao longo de 6 dias por semana. Dois terços se dizem migrantes internos. 

 

Irina observa que as fazendas da agropecuária na Amazônia são muito distantes dos centros urbanos. “Isso dificulta a fiscalização, ao mesmo tempo em que facilita o ilícito”, destaca. É uma realidade na qual muitos produtores rurais seguem acreditando que o lucro deles é maior se basearem seus negócios no ilícito. 

 

Com a Reforma Trabalhista de 2017, surge a possibilidade de pagamento de diárias, além da terceirização. Nesse cenário, por não terem vínculo trabalhista, muitos trabalhadores precisam usar suas próprias ferramentas e equipamentos de proteção. Ela esclarece que, apesar de não serem trabalhos feitos contra a vontade, “acaba sendo um trabalho forçado porque ele é forçoso, desgastante, exaustivo”, explica.

 

Sob calor forte, muitos não recebem água saudável suficiente durante toda a jornada. Logo, são comuns problemas em decorrência do calor, como doenças renais e de pele. São problemas associados ainda ao risco de picadas de cobra ou quadros de malária e dengue. Existem ainda os riscos associados à pecuária, como acidentes com o gado, manutenção de cerca e manuseio de motosserra.

 

O resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão aumentou em outras cadeias produtivas. Porém, Irina reforça que de 1995 a 2023, a pecuária ainda é líder nessa cadeia, ainda que tenha diminuído a quantidade de casos. “Mas não se sabe se diminuiu porque houve mudança ou porque houve diminuição da fiscalização nessa área porque não há denúncias”, pondera. 

 

Dignidade - Uma das frentes da PADF é o projeto Trabalho Justo. A diretora técnica conta que o nome surgiu durante visitas em comunidades rurais. Muitos de lá acreditavam que o trabalho escravo era apenas o que tinham visto até meados da década de 1980, quando pessoas tinham liberdade restrita e sofriam violências. 

 

Quando perguntados sobre outras situações, como acesso à água e comida, eles concordavam sobre a existência de condições degradantes, forçadas e enganosas. Eles diziam: “mas se isso acontece, não é justo”. Bacci reforça que o trabalho, além de descente precisa ser justo. “Justo para o empresário, mas sobretudo justo para o empregado”, finaliza.

 

Foto: Ascom TRT-8