TRT-8 inicia ações pela empregabilidade de migrantes e refugiados

O Regional promoveu um workshop com entidades diversas para trocar informações e formar um grupo de trabalho.
Foto dos representantes das entidades convidadas ao evento posam em frente ao prédio da Ecaiss, no TRT8.
#ParaTodosVerem - Foto dos representantes das entidades convidadas ao evento posam em frente ao prédio da Ecaiss, no TRT8.

“O direito do trabalho é o direito de ser humano”, diz Milius Guerrier, da Associação dos Haitianos e estudante de pós-graduação na UFPA. Ele e outras lideranças de comunidades migrantes e refugiadas estavam entre as entidades convidadas a integrar o workshop “Os desafios dos migrantes no mercado de trabalho na Amazônia Oriental”, em Belém. O evento foi promovido em setembro pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), por meio do seu Comitê Regional do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante.

O evento contou, por exemplo, com a participação de representantes do Instituto Federal do Pará (IFPA) e da Rede MigraAção, que congrega instituições da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e o Conselho Warao. A intenção é contribuir com o desenvolvimento de soluções duradouras para enfrentamento do cenário de vulnerabilidade social e precariedade de condições de vida pelo qual a população migrante têm passado na Amazônia, em especial no Pará e no Amapá, onde atua o TRT-8. Tal iniciativa está alinhada ao papel da Justiça do Trabalho no tocante às relações de trabalho e à urgente necessidade de ampliar oportunidades de acesso e permanência no mercado de trabalho para populações vulneráveis.

A desembargadora Suzy Koury, integrante do Comitê do TRT-8, considera o workshop essencial. “A gente não pode, dentro de uma comissão como é a nossa, começar a agir ou a planejar sem ouvir essas pessoas, os próprios migrantes, os refugiados, as vítimas de trabalho escravo, porque a gente precisa saber quais são as dificuldades no dia a dia, o que elas precisam, não adianta ficarmos sentados nos nossos gabinetes e estabelecer: ‘vou fazer um curso de artesanato’, se não é isso que as pessoas querem no momento. Então, esse primeiro momento é uma espécie de diagnóstico”, diz ela.

O juiz do Trabalho Otávio Bruno Ferreira, integrante do Comitê Nacional do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante, reforça que estes são desafios muito presentes na região Norte, especialmente no Pará. “Por isso, o TST [Tribunal Superior do Trabalho] compreendeu a necessidade de um programa voltado para isso. E a missão do TRT-8 é ouvir essas pessoas para entender quais suas dificuldades e traçar estratégias junto a parceiros”.

MERCADO FORMAL

Samuel Medeiros, presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB, criada em 2014, declarou durante o encontro que houve avanços no aspecto legislativo, mas há questões trabalhistas que ainda são um grande entrave. “O documento de trabalho deveria ser o primeiro liberado para os migrantes e refugiados, mas não é a realidade. Então você tem médico, professor, vendendo água no sinal porque não consegue adentrar o mercado formal. Tem engenheiro se tornando ambulante. Nós mesmos estamos perdendo mão de obra qualificada”.

Outro entrave, aponta Samuel, é que as empresas não compreendem como contratar migrantes: “Às vezes, acham que é mais complexo do que é”. Ele também destaca como a oferta de cursos de empreendedorismo, ao invés de um programa de revalidação da formação desses profissionais e de orientação para as empresas os contratarem, pode estar completamente desconectado do que essa população precisa. “Muitos migrantes, refugiados, querem o trabalho formal, o salário. Só acabam aceitando abrir um negócio, serem autônomos, para não passar fome. Tanto que o trabalho formal tem crescido substancialmente”, relata.

Buscando entender melhor esse perfil, foi sugerido pelo TRT-8 criar uma plataforma de cadastro desses profissionais. Uma grata surpresa para as demais entidades presentes era que tanto a Agência da ONU para refugiados (Acnur) como a Cáritas já possuem uma plataforma desta natureza. O representante da Cáritas Metropolitana de Belém (Camebe), Francisco Batista, destacou como a entidade católica foi uma das primeiras a fazer esse acolhimento no Brasil e mostrou como funciona a plataforma Novos Rumos, em que tanto trabalhadores (as) refugiados (as) e migrantes como as empresas também podem fazer seu cadastro. “Em Cametá, detectamos mais 100 migrantes Warao e temos parceria com a Associação de Haitianos também. Isso pode reforçar essas iniciativas”.

Incentivar as empresas a contratar refugiados é uma iniciativa do Pacto Global da ONU no Brasil e da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) para promover a integração de pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio no mercado de trabalho brasileiro, conheça mais em empresascomrefugiados.com.br. 

BARREIRA LINGUÍSTICA

Durante o workshop também foram ouvidos representantes de refugiados e migrantes, como Freddy Cardona, liderança do Conselho Warao da Região Metropolitana de Belém. Entre diversos pontos, ele relatou a barreira linguística. Se para brasileiros uma entrevista de emprego e a retirada de documentos pode ser uma experiência altamente estressante e burocrática, sem compreender o que é dito tudo fica muito pior.

“Não queremos deixar nossa língua, mas queremos aprender mais uma, porque queremos trabalhar em uma empresa, tudo feito correto. Muitos Warao estão com documentação vencida porque, chega na Polícia Federal, não tem ninguém que atenda na língua warao. Nós precisamos de professores de língua portuguesa. Alguns são hostilizados também no local de trabalho por falar a língua materna”, relata Freddy, cobrando que empresas sejam realmente inclusivas, preparando suas equipes para receber profissionais diversos.

Outro ponto importante destacado pela liderança Warao e que em breve já começa a ser atendido pelo TRT-8 é que migrantes e refugiados tenham conhecimento das leis trabalhistas no Brasil. “Teve Warao escravizado. Teve Warao contratado pela Ciclus Amazônia (empresa de coleta de lixo em Belém) trabalhando a noite inteira sem nenhuma capacitação prévia. A gente também precisa saber a lei trabalhista. Já recebi R$500 de salário e R$400 de transporte. Para uma pessoa só poderia até dar, mas temos família, precisa pagar luz, aluguel, comida”. 

Norberto Warao também deu um relato de como a barreira da língua e esse desconhecimento dos próprios direitos o afetou quando chegou ao Brasil. “Eu sou formado em administração. Cheguei aqui e não sabia falar português. Passei três meses trabalhando em uma loja de roupas, das 8h às 22h, ganhando R$ 5 por dia. Ninguém me disse que não era correto. Eu só sabia que precisava de qualquer dinheiro. E eles (patrões) diziam que não era pra eu falar com outras pessoas, para eu ter cuidado, porque podiam me sequestrar no Brasil, para eu não falar com brasileiros”.

Ele contou que em outra empresa foi obrigado a mudar o seu estado de refugiado para migrante para eles aceitarem contratá-lo, o que o fez perder uma série de direitos que tinha e não sabia. “Eu não saí do meu país em busca de emprego ou condições melhores. Eu saí por medo, por ameaças, eu fugi. Eu sou refugiado. Mas quando a empresa me obrigou a mudar isso, perdi uma série de direitos. Eu tenho mais de 15 certificados de cursos que fiz desde que cheguei no Brasil, em 2015, sem conseguir trabalho formal. Tem dia que fico triste, tem dia que fico com muita raiva”, diz ele.

ATUAÇÃO EM REDE

Outras entidades apresentaram a forma como vêm atuando para tentar lidar com todas essas barreiras. A Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA colocou-se à disposição para prestar assessoria jurídica a esses trabalhadores. O IFPA Belém e Ananindeua prontificaram-se a fornecer cursos necessários para essas comunidades e para empresas entenderem como contratar migrantes/refugiados. “Tudo começa pela educação”, lembrou Demethrius Lucena, assessor do diretor geral do IFPA Belém.

A Funpapa também apontou alguns entraves e mostrou como tem atuado especialmente na superação da barreira linguística fornecendo intérpretes. “Entre os entraves está a falta de conhecimento da documentação escolar nas empresas. Os documentos [dos migrantes] são diferentes. Falta um centro de referência especial e estadual. Faltam intérpretes em órgãos de acesso a direitos humanos”, apontou Jose Lopéz, venezuelano mediador cultural na Funpapa Belém.

O Cesupa mostrou como tem trabalhado para dar suporte à emissão de documentos para migrantes, especialmente os Warao e também apontou os empecilhos encontrados em órgãos importantes como a Polícia Federal. “Vejo uma falta de apoio da PF em resolver coisas simples, como emitir um documento de antecedentes criminais, por exemplo, às vezes está vencido e eles poderiam fazer lá mesmo para dar prosseguimento a um pedido de visto, um pedido de residência, mas simplesmente dizem ‘está vencido’ e mandam o warao embora. Ele tem que ir novamente ao Cesupa para resolver e então voltar à PF. Sendo que muitos vivem uma realidade de dificuldade para se deslocar pela cidade, não conhecem os lugares, não sabem a língua, tem crianças pequenas”, afirma Natália Bentes, coordenadora da Clínica de Direitos Humanos do Cesupa.

DIREITOS

O desembargador Francisco Sérgio Silva Rocha também reforçou que o TRT-8 segue em planejamento de novas ações. “Foi necessário que nós tivéssemos a dimensão de quais são as demandas, o que nós temos hoje de potencialidade nesta rede de trabalho para atender essas demandas e criar um sistema mais forte de proteção ao trabalho do migrante. Já temos um curso previsto para este mês de outubro, para apresentar os direitos trabalhistas aos migrantes. Essa é mais uma etapa do projeto desenvolvido pelo Tribunal, mas a noção é que a partir desse workshop nós possamos desdobrar esse projeto e outros mais, para suprir as lacunas que nós estamos podendo identificar com o evento de hoje”.

O encontro encerrou com a já citada liderança haitiana, Milius Guerrier, lembrando a razão porque é preciso que entidades se unam para atuar sobre este tema: “Viver fora do próprio país não é fácil. Tem muitas barreiras. Falo francês e crioulo. Se vai no mercado, no escritório, na Polícia Federal… Se você não está acompanhado, não é atendido. Outra dificuldade é encontrar onde morar. Encontrei um lugar e não quiseram alugar para mim quando me viram. A busca por emprego também é marcada por racismo, xenofobia, e em alguns casos, homofobia. O direito do trabalho é o direito de ser humano”.

Texto: Lais Azevedo/ Fotos: Natália Oliveira /Secom TRT-8

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