Conexão Saúde março - especial Dia internacional da mulher
Todas as homenagens dedicadas às mulheres sempre são bonitas e emocionantes, mas parece um pouco contraditório quando o cenário que nos encontramos: os números altos de feminicídio, violência e desconsideração nas pequenas atitudes diárias. Essa situação está conectada à dominação patriarcal que exerce um poder sobre as mulheres e que sempre inferiorizou seu papel, considerando suas atividades como “menos importantes”, ou sem agregação real de valor.
O trabalho doméstico (filhos, casa, comida), responsabilidade historicamente delegada à mulher, nunca obteve tanta apreciação como no período da pandemia, pois na falta das que sempre ajudaram em casa, ou na mistura do doméstico com teletrabalho, as mulheres se sobrecarregaram ainda mais com essa demanda. Isso porque, por mais que elas já tenham conquistado, há muito, o mercado de trabalho (não necessariamente com mesmo reconhecimento monetário), a divisão do trabalho do lar ainda não é dividido de forma equilibrada. E o que temos? Mulheres cansadas, exaustas, cobradas e com enorme sentimento de culpa.
Por mais que não seja a intenção desse texto ressaltar esse aspecto (já tão divulgado, mas sem tantas mudanças), não poderia deixar de resgatar essa labuta eterna das mulheres.
Qual resultado podemos observar dessa inserção cada vez maior das mulheres no mundo do trabalho, unido à desvalorização do que é relacionado ao feminino na nossa sociedade patriarcal?
Ressalto aqui a importância de distinguir quando falo do feminino e masculino: não estou me referindo ao gênero (homem e mulher), mas as atitudes, formas de ser, qualidades psicológicas que estão em todos os seres humanos. Ou seja, todos nós possuímos características e atitudes do feminino e masculino, mas apenas desenvolvemos mais atributos de um ou de outro, ficando uma outra parte com a necessidade de ser desenvolvida.
O mundo do trabalho, espaço produtivo da sociedade sempre dominado por homens, valoriza essa atuação masculina voltado à dominação, competição, hierarquização, categorização, limites, proatividade, etc. E sempre desvaloriza aspectos do feminino, como afeto, emoção, envolvimento, intuição, acolhimento, cuidado, dentro outros. Inclusive, sobre esses aspectos, distorcem que as mulheres não podem ocupar lugar de poder, pois elas seriam desequilibradas emocionalmente para tal lugar. (Quem nunca escutou essa falácia?)
As mulheres precisaram abrir mão, muitas vezes, do seu contato com o feminino para adentrar no mundo masculinizado do trabalho, e os homens também geralmente apresentam dificuldade em lidar com seus próprios aspectos do feminino, com seu mundo interior e suas emoções. Não é à toa que boa parte dos homens tem dificuldade em acessar, reconhecer e lidar com seus sentimentos.
E o que ganhamos com isso? Homens desconectados de si e mulheres indo pelo o mesmo caminho. Todos nós perdemos muito quando não acessamos o que há de feminino em cada um, deixamos de conquistar as habilidades que este aspecto traz para nossas vidas. Não pretendo, dessa forma, dizer que a dimensão do feminino é mais importante que a do masculino, pois, na verdade, complementam-se, como diria Jung1. Afinal, estamos perdendo a riqueza da integração do feminino com o masculino.
Nesse dia da mulher quero convidar a todos (homens e mulheres) a honrar o feminino que habita em nós e permitir ser enlaçado por ele e para as proezas que este aspecto faz por nós: permitir a nutrição de afetos, cuidado por si e pelo outro, sensibilidade para sua própria intuição para entender seu mundo interno pelos sentimentos e emoções, ter mais fluidez e abertura para uma visão de mundo mais sistêmica. Aprenda a escutar mais o seu feminino interior e as mulheres que estão ao seu redor. O que as mulheres sentem, querem, desejam? Pelo que elas sofrem? Faça isso com escuta sensível e sem piadas clichês. Que esses aspectos encontrem espaço no ambiente de trabalho, nos relacionamentos interpessoais e nas trocas mais horizontais entre homens e mulheres.
Um feliz dia à mulher que habita em todos nós!
1Carl Gustav Jung, psiquiatra e fundador da Psicologia Analítica.
Úrsula Custódio Gomes
Psicóloga do TRT8