Transtornos mentais, o acidente de trabalho que ninguém vê

O mês de abril foi nacionalmente dedicado ​à​ prevenção de acidentes laborais​
Folder escrito Transtornos mentais relacionados ao trabalho
— Foto: ASCOM8

O mês de abril foi nacionalmente dedicado ​à​ prevenção de acidentes laborais​, com a campanha Abril Verde,​ e o biênio 2016/2017 do Programa Trabalho Seguro​ tem o tema transtornos mentais relacionados ao trabalho​ como um dos pilares de trabalho​. 

Quando se fala em acidente de trabalho, a primeira referência são os chamados acidentes de trabalho típicos – aqueles decorrente​s​ do exercício do trabalho​ físico​ e que provocam lesão corporal ou perturbação funcional. Mas as estatísticas englobam também as ​chamadas ​doenças profissionais (aquelas que resultam diretamente das condições de trabalho, como a silicose ou a perda auditiva) e as doenças do trabalho – resultante da exposição do trabalhador a agentes ambientais que não são típicos de sua atividade.

É nessa última categoria que se inserem os transtornos mentais relacionados ao trabalho – um mal invisível e silencioso, mas que vem sendo detectado há anos pela Previdência Social como causa de afastamento do trabalho. Em 2016, o número de trabalhadores que receberam auxílio-doença acidentário (benefício em que o INSS identifica que a doença foi provocada pelo trabalho) subiu 4,67% em relação a 2015, atingindo 2.670 pessoas.

Segundo a psicóloga Úrsula Gomes​,​ do TRT8, os transtornos mentais possuem uma característica peculiar: a invisibilidade, que se traduz tanto na falta de uma evidência física de comprovação da doença, como do próprio desconhecimento e falta de identificação do processo de adoecimento por colegas e gestores. 

“Por vezes, de forma silenciosa, transtornos como depressão, uso abusivo de álcool ou outras drogas e relacionados ao stress afetam os sujeitos principalmente em ambientes ​em ​que predominam a competitividade, cobrança excessiva e assédio moral. A repercussão desse ambiente nos indivíduo​s​ pode gerar isolamento e declínio da sensação de autoeficácia, que está relacionada com a perda de confiança para realizar atividades, perda de sentido no trabalho​,​ dentre outras manifestações psíquicas e físicas. Diante dessas informações​,​ vamos colocar essa pauta em um lugar mais visível e nos tornar mais vigilante​s​ sobre o que está acontecendo no nosso ambiente de trabalho.” explicou a psicóloga. 

Visibilidade
A coordenadora do Comitê Gestor Nacional do programa, ministra Maria Helena Mallmann, reitera que os problemas de ordem psicológica ou psiquiátrica são responsáveis por um número considerável de afastamentos, que v​ê​m crescendo em função das exigências da sociedade moderna. Os grandes fatores são o estresse e a depressão, “a grande epidemia do século XXI, segundo especialistas”, afirma. Segundo Mallmann, o assédio moral é um dos grandes desencadeadores do adoecimento de trabalhadores no campo comportamental.

Desafio
Maria Helena Mallmann considera que a identificação desses transtornos e do nexo de causalidade entre eles e o trabalho é um grande desafio para a Justiça do Trabalho. Casos julgados recorrentemente pelo TST exemplificam essa intri​n​cada relação do ambiente de trabalho com a saúde mental.

Muitas vezes, a relação é clara. É o caso do processo que envolve um engenheiro mecânico da Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras) que desenvolveu esquizofrenia em decorrência de um acidente grave ocorrido em 1984 na plataforma de Anchova, na Bacia de Campos, que resultou na morte de 37 trabalhadores. Hoje aposentado, ele contou no processo que passou por diversas internações devido aos problemas psicológicos originados pelo acidente.

A perícia do INSS diagnosticou seu caso como esquizofrenia paranoide, caracterizada pela ocorrência de “ideias delirantes, frequent​e​s estados de perseguição, alucinações auditivas e perturbações das percepções”, exigindo o uso contínuo de medicamentos controlados, como Rohypnol, Lexotan e Gardenal. Uma vez estabelecido o nexo de causalidade e a incapacidade total para o trabalho, o Tribunal Regional da 1ª Região condenou a Petrobras a indenizá-lo em R$ 100 mil, decisão mantida pela Sexta Turma do TST, que rejeitou recurso da empresa para reduzi-lo.

Em outro caso, a conclusão foi diversa. Uma bancária do Itaú Unibanco S. A. também pedia indenização por dano moral sustentando que seu quadro depressivo teria o trabalho comocausa, ou causa concorrente – situação em que as atividades exercidas potencializam ou agravam doença preexistente. No seu caso, porém, a perícia médica identificou que as causas da depressão eram “genéricas e constitucionais, influenciáveis por medicamentos como os corticoides, e por circunstâncias sociais e laborativas”. Não foi conclusiva, portanto, quanto à relação de causalidade com o trabalho desempenhado, necessária para a condenação do banco.

Entre outros pontos, a perícia constatou que havia histórico de depressão na família e que a trabalhadora não apontou algum evento específico ocorrido no trabalho capaz de estabelecer qualquer relação com o agravamento de seu quadro. Os depoimentos das testemunhas também não evidenciaram a prática de conduta abusiva ou arbitrária capaz de provocar o agravamento do transtorno, revelando apenas a ocorrência de “situações inerentes a qualquer ambiente de trabalho, sujeito a contratempos e nem sempre em consonância com os anseios e expectativas do empregado”. Nesse contexto, o recurso não foi conhecido pela Sexta Turma.