Mantida condenação de município e construtora por trabalho infantil em lixão de Porto Velho (RO)

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo da Construtora Marquise S/A (Ecoporto) contra a condenação, juntamente com o Município de Porto Velho (RO), ao pagamento de indenização de R$ 1 milhão em danos morais coletivos por permitir a atuação de crianças e adolescentes como catadores num lixão situado à margem de uma das rodovias de acesso à capital de Rondônia. A Turma rejeitou também recurso do Ministério Público do Trabalho, que pretendia que o valor da condenação fosse de R$ 5 milhões. No julgamento, os ministros destacaram a gravidade do problema.

Lixão

Desde 2006, a questão vinha sendo discutida entre o MPT e a Prefeitura de Porto Velho, a partir de denúncia de que, no lugar conhecido como Lixão da Vila Princesa, haveria crianças e adolescentes fazendo a coleta e a reciclagem do lixo ali despejado. Durante diligência, ficou constatada a presença de vários trabalhadores avulsos (catadores) que, sem a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), manuseavam diversos resíduos, inclusive hospitalares, situação que colocava em risco sua saúde e integridade física.

Em 2010, a Construtora Marquise venceu licitação promovida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente para a construção de um aterro sanitário no loca, mas, em nova diligência, o MPT verificou que o acesso ao local continuava livre, sem qualquer fiscalização, com crianças catando lixo a céu aberto. Novas rodadas de negociação e diligências ocorreram ao longo de 2011 e 2012 sem que o quadro fosse alterado, levando então ao ajuizamento de ação civil pública em 2013. Para o Ministério Público do Trabalho, a situação revelava “o descaso da Prefeitura de Porto Velho com o meio ambiente e com as condições em que o trabalho estava sendo exercido, em desrespeito a diversas normas regulamentadoras emitidas pelo MTE”, o que resultava em “grave e séria violação a direitos de seres humanos ainda em desenvolvimento”.

Dano moral coletivo

O juízo da 5ª Vara do Trabalho de Porto Velho (RO) julgou procedente a ação civil e condenou o município e a construtora, de forma solidária, à obrigação de impedir o acesso e o trabalho de crianças e adolescentes na área e de implementar programas destinados à inclusão social dos menores daquela comunidade. A decisão fixou a indenização por dano moral coletivo em R$ 5 milhões e multa de R$ 300 mil por cada vez que fosse constatada a presença de menores e adolescentes no local.

Em julgamento de recurso, o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO/AC) reduziu a indenização para R$ 1 milhão – R$ 750 mil para o município e R$ 250 mil para a construtora. Para o Regional, o valor imposto na sentença afetaria a já existente carência de recursos nas áreas de saúde e educação, e faria falta para atividades essenciais do município, penalizando duplamente a sociedade. A decisão leva em conta também o interesse, “ainda que tardio”, da construtora em tentar contornar o problema.

TST

Tanto a construtora quanto o MPT tentaram modificar essa decisão no TST – a primeira pedindo a extinção da condenação imposta, e o MPT visando ao restabelecimento do valor inicial da indenização. A Primeira Turma, no entanto, afastou os fundamentos de ordem processual apresentados pela empresa e rejeitou o exame do mérito do recurso.

Com relação à pretensão do MPT, o relator, ministro Walmir Oliveira da Costa, destacou que o TRT, ao fixar o valor da condenação, observou de forma correta os princípios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade e a teoria do valor do desestímulo (punir, compensar e prevenir). Ele observou ainda que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST já consolidou o entendimento de que a revisão dos valores de indenizações por danos morais somente é possível quando as quantias fixadas forem exorbitantes ou insignificantes, o que não se verificou no caso.

Situação subumana

O ministro Lelio Bentes Correa, ao seguir o voto do relator, destacou que a gravíssima relevância social do tema. “É inaceitável que uma municipalidade permaneça inerte diante da situação subumana a que estão sujeitos homens, mulheres e crianças vivendo e trabalhando no lixo”, afirmou. “O que se requer é sensibilidade, compromisso cidadão do administrador público, e espera-se que, se a via judicial não for suficiente para trazer estes atributos, que a sanção final seja imposta no foro competente, que é as urnas, e que a sociedade saiba escolher dirigentes que efetivamente priorizem o que é mais importante para a cidadania”.

O ministro Hugo Carlos Scheuermann também considerou indignante a situação por se tratar de pessoas, crianças e adolescentes que “trabalham e vivem do lixo”.

Processo: AgR-Ag-AIRR - 99-86.2013.5.14.0005

Fonte: TST