No dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo a Justiça do Trabalho da 8ª Região relembra a primeira sentença sobre o tema proferida no Brasil

A sentença faz parte do acervo do Memorial do TRT8 e guarda 44 anos de história.
Foto: Desembargador Vicente Malheiros em seu gabinete no TRT8, tendo atrás sua biblioteca de livros jurídicos.
— Foto: ASCOM8

O Memorial da Justiça do Trabalho da 8ª Região guarda em seu acervo a primeira sentença sobre trabalho escravo no Brasil. Proferida há 44 anos pelo desembargador Vicente José Malheiros da Fonseca, decano da Corte, quando ele ainda era juiz do trabalho substituto em Abaetetuba, nordeste do Pará, a reclamação foi feita por um trabalhador rural contra uma empresa detentora de um engenho de cana de açúcar.

Sem saber ler nem escrever, o autor ajuizou a ação em uma época em que não se cogitava uma indenização por dano coletivo ou moral, nem ação do Ministério Público do Trabalho, envolvendo a questão.

Ao magistrado, o reclamante contou que trabalhou na lavoura por muitos anos e que o pai e o avó também foram trabalhadores do mesmo engenho."Era uma reclamação trabalhista comum (verbal), ajuizada por um trabalhador rural, analfabeto, no exercício de seu "jus postulandi". A hipótese era de escravidão por dívida", conta o desembargador.

Pioneirismo

A sentença, de 09 de dezembro de 1976, 12 anos antes da Constituição Federal de 1988, foi considerada a primeira no Brasil a abordar o tema do trabalho análogo à escravidão, segundo levantamento realizado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA). "Ao examinar o recurso ordinário interposto pelos reclamados, o TRT-8ª Região, por maioria de votos, confirmou a sentença, prevalecendo o voto do juiz revisor, Dr. Roberto Araújo de Oliveira Santos, já falecido", lembra Malheiros.

Na época, o jovem juiz tinha apenas 3 anos de atuação como magistrado e não imaginava que estava diante de um fato pioneiro na história da Justiça do Trabalho. "Eu escrevi mais de 100 páginas, em máquina datilográfica, e nem imaginava que um dia se tornaria um processo histórico. Hoje, o nosso Tribunal – certamente em caráter também pioneiro – possui a Súmula nº 36 sobre a matéria, aprovada em 2016, portanto, 40 anos depois de proferida aquela sentença".

A decisão judicial teve ampla repercussão, inclusive em âmbito internacional, e foi tema de teses acadêmicas. "Fiquei muito honrado de ter contribuído para o estudo de um tema tão delicado nas relações entre o capital e o trabalho. Imagino que o caso influiu na mentalidade de magistrados e estudiosos sobre o tema", ressalta o desembargador.

Mesmo com a contribuição histórica, os casos de trabalho análogo à escravidão ainda perduram e nem as recentes reformas na legislação foram capazes de coibir essa prática. "Creio que as recentes mudanças na legislação trabalhista praticamente em nada contribuíram para o aperfeiçoamento na solução dos problemas que envolvem o trabalho análogo à escravidão. Embora em pleno século XXI, ainda se verifica a prática dessa mazela, não só no Estado do Pará como em outras unidades da federação. O Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal e Estadual, os órgãos da fiscalização do trabalho e os sindicatos profissionais, com o auxílio da força policial, quando necessária, também colaboram para eliminar ou reduzir os índices estatísticos sobre essa verdadeira chaga social".

Na área trabalhista, há possibilidade de reivindicar indenização por dano material, moral, e também coletivo. Mas, o desembargador considera que existem medidas mais eficazes para coibir a prática. "Além de campanhas e conscientização cultural e moral da população e dos governantes,há necessidade de mudanças na legislação trabalhista para coibir, de modo mais eficaz, a prática do "trabalho escravo", no Brasil. No âmbito do direito processual, creio que a competência para processar e julgar o crime de "redução a condição análoga à de escravo" (art. 149 do Código Penal) deveria ser atribuída à Justiça do Trabalho. Porém, a mudança mais importante é a mudança de mentalidade das pessoas e da sociedade", afirma o decano.

Postura humanista

Para o desembargador, o magistrado trabalhista deve adotar conduta sensível aos anseios sociais e ser humanista."Esse é o legado que fica para os jovens estudantes de direito e, enfim, para todos, sobre o relevante papel social realizado pela Justiça do Trabalho, ao combater toda e qualquer exploração injusta do trabalho humano".

Nascido em uma família de músicos e com quase 47 anos dedicados à Justiça do Trabalho, o desembargador é o compositor do "Hino da Justiça do Trabalho", que foi oficializado, em âmbito nacional, pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT. Composto em 1998, o hino carrega em suas estrofes o papel social da Justiça do Trabalho, que consiste em dirimir o litígio, por conciliação ou sentença, conforme assegura a Constituição.

Memória institucional

Os autos do processo da primeira sentença proferida contra o trabalho escravo no Brasil estão no acervo do Memorial do TRT8, em Belém, que é aberto à visitação pública. O Memorial está localizado na Travessa D. Pedro I, 746. As visitas podem ser agendadas pelo telefone (91) 3241-9700, no horário de 8h às 13h, de segunda a sexta-feira.

 

Serviço: 

Memorial "Juiz Arthur Francisco Seixas Dos Anjos" (Travessa D. Pedro I, 746)

Horário de visitação: 8h às 13h, de segunda a sexta-feira.

Agendamento pelo telefone (91) 3241-9700.