Justiça do Trabalho em Xinguara reconhece direitos de trabalhadora trans

Frigorífico é condenado a pagar indenização por danos morais
Fachada da Vara do Trabalho de Xinguara
— Foto: ASCOM8

Na última segunda-feira (15), o juiz do Trabalho Vanilson Rodrigues Fernandes, titular da Vara do Trabalho de Xinguara, localizada no sudeste paraense, condenou a empresa FRIGOL S.A a indenizar Agatha Gabriela de Sousa, que efetuou reclamação solicitando a rescisão indireta de contrato de trabalho, além de verbas rescisórias e dano moral, em razão de episódio de agressão e constrangimento aos quais foi submetida no decorrer do período em que trabalhou na empresa.

Como pode ser observado na sentença proferida pelo magistrado, após escuta das partes em audiência, na qual não foi logrado êxito na tentativa de acordo, ficou configurada a omissão da reclamada na aplicação de penalidades em decorrência de agressão sofrida pela reclamada nas dependências da empresa, cometida por uma colega de trabalho. Provas testemunhais deixaram claras, no entender do juízo, que a reclamada teve conhecimento do ocorrido e não fez a devida apuração dos fatos, configurando o não cumprimento ao dever de zelo pela qualidade do meio ambiente de trabalho e não estímulo à violência com a omissão da apuração.

Outrossim, no decorrer da apuração, foi possível observar e comprovar com as manifestações das testemunhas, prepostos e da própria reclamante, que a mesma foi submetida a constrangimento em decorrência da sua identificação de gênero, como também são submetidos outros trabalhadores e trabalhadoras trans que atuam na mesma empresa, com a reclamante sendo proibida de usar o banheiro feminino, tendo que usar o masculino ou uma sala separada na área em que atuou por um período, no caso a lavanderia da instituição. "A reclamante sofreu ao longo de todo o contrato de trabalho restrição de uso do banheiro feminino, apesar de se identificar com o gênero feminino, gênero com o qual se identifica e possui aparência totalmente feminina, como reconhecido por esse magistrado e até mesmo pelos prepostos da empresa, fazendo com que habitualmente fosse hostilizada por outros empregados cisgênero que utilizavam do banheiro masculino", destacou o magistrado em sua sentença.

No decorrer da análise, o juiz também destacou a necessidade ao respeito aos direitos fundamentais e humanos, previstos na Constituição Federal e em acordos internacionais ratificados pelo Brasil, como a própria Declaração Internacional de Direitos Humanos, reforçando a necessidade de envolvimento de toda a sociedade para a construção de caminhos de garantia de tais direitos e não incentivo ao crescimento de estatísticas que colocam o Brasil como o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, conforme relatório da ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais, citada na sentença.

Nesse sentido, destaca que "o uso de banheiros por pessoas transgênero já é um tema conhecido no Judiciário, e, em 2015, foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF)", fechando questão no sentido de considerar que "independentemente do posicionamento do estabelecimento, qualquer pessoa trans tem o direito de usar o banheiro público, de acordo com a sua identidade de gênero". 

De forma emblemática, o juiz do Trabalho destacou em sua sentença que " a luta histórica contra as violações de direitos humanos que atingem pessoas em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero, real ou percebida, não se restringe ao uso dos banheiros, sendo que até junho de 2018 a OMS equivocadamente tratava a transexualidade como distúrbio mental", e o dia mundial de luta contra a LGBTfobia é celebrado no dia 17 de maio exatamente porque foi nesta data, "no ano de 1990, que a OMS excluiu a homossexualidade da classificação internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde (CID)".

Considerando a inércia da empresa em atuar no sentido de promover a valorização de direitos e respeito às garantias de cidadania, bem como o constrangimento ao qual foi submetida a reclamante, que inclusive só teve seu nome social destacado no processo após determinação do juízo, a reclamada foi condenada ao pagamento de dano moral no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), bem como deferido o pedido de dispensa indireta, determinado o pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes, como aviso prévio, décimo terceiro e adicionais de insalubridade e horas extras.

Da decisão ainda cabe recurso por parte da reclamada.

 

#ParaTodosVerem: Fotografia externa que mostra a fachada do prédio da Vara do Trabalho de Xinguara