Escravidão contemporânea: especialistas debatem estratégias de combate durante congresso no TRT-8
Como parte da programação do II Congresso sobre Trabalho Escravo Contemporâneo na Amazônia foram realizados painéis e grupos de trabalho com a temática “Cadeias produtivas regionais e espoliação de direitos”, nos dias 14 e 15 de maio.
Antes das palestras, houve a assinatura de acordo de cooperação técnica entre a Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da Universidade Federal do Pará (CCTE/UFPA) e Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 8ª Região. De acordo com a juíza do Trabalho, Roberta de Oliveira Santos, presidente da Amatra-8, a assinatura traz para o Programa Trabalho Justo e Cidadania (TJC) o conhecimento da clínica sobre o trabalho escravo.
“Agradecemos muito essa parceria e que seja o pontapé para outros projetos e iniciativas”, desejou. Valena Jacob, coordenadora da CCTE/UFPA, ressaltou que a iniciativa prioriza ações de ensino, a exemplo do que já é feito com parceiros como o TRT-8. “Estamos muito felizes com essa parceria e esperamos no segundo semestre mover outras ações”, afirmou.
O quarto painel do evento foi presidido por Prudêncio Serra Neto (CCTE/UFPA). “Escravidão no Pará: cadeias produtivas, exploração e acúmulo de riquezas” foi o tema do painel. Os painelistas foram o procurador do trabalho Luciano Aragão (MPT); Maria Odete Araújo, do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), além de João Santos Nahum, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFPA (PPGCA/UFPA).
Nahum pontuou que a cadeia produtiva do dendê está estabelecida no Pará desde a década de 1950. Já nos anos 70 e 80, começam a ser compradas terras exclusivas para a dendeicultura em áreas que não estavam vazias. Surgem aí conflitos com ribeirinhos, quilombolas e remanescentes indígenas, sucedidos de processos de precarização do trabalho. Mesmo nos dias atuais, com a presença de consórcios de mão de obra, o objetivo é “gerar renda da terra e não empregos”, diz.
Na sequência, Maria Odete afirmou que jornada exaustiva e condições degradantes são as características “mais difíceis de dizer se é trabalho escravo ou não”. Isso porque o capitalismo cria matizes de exploração. Ou seja, formas de explorar sem dizer que está escravizando.
Já o procurador Aragão criticou as certificações cobiçadas pela indústria. Muitas empresas, segundo ele relata, afirmam falsamente atender a critérios socioambientais. “É preciso, dentro da ideia, de direitos humanos em cadeias produtivas, discutir também a conduta empresarial responsável. Não para mascarar a verdade, mas para de fato tocar na ferida, encontrar violações dos direitos humanos e depois sentar resolver os problemas”, finalizou.
Programação - Na sequência veio a segunda mesa, que abordou “A incompatibilidade do trabalho escravo com o desenvolvimento sustentável na Amazônia”, com mediação da advogada Pollyana Soares. Os painelistas foram Moisés Pereira da Silva, da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT) e Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC); Elizabeth Reymão, do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e Universidade Federal do Pará (UFPA), além de Almeida Ferreira (TRT-8) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Elinay destacou a realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) na Amazônia. Ela reflete sobre o que poderá ser encaminhado sobre o tema do trabalho decente na região. Muito se fala, ressalta ela, em “empregos verdes”. Nesse sentido, a painelista falou da importância de se pensar “um movimento sustentável para a região e que a gente possa sim erradicar o trabalho escravo e ficarmos cada vez mais perto de um trabalho digno e decente”, disse.
Moisés afirmou que não existem lutas sociais no Brasil sem o trabalhador do campo. “E foi exatamente a possibilidade dessas lutas que foi desmantelada pela Reforma Trabalhista. Primeiro se esvaziou a forma de organização, que é o sindicato , uma constituição histórica lá na Revolução Industrial. E depois se desmantelou a própria legislação”, criticou.
Reymão finalizou a mesa afirmando que “é preciso refletir sobre a bioeconomia que queremos”. Ela diz que o Estado (em sentido amplo) apoia a atividade, mas é importante não repetir erros do passado. “Sem valorização do conhecimento local, diálogo intercultural, não trazemos um novo modelo de desenvolvimento”. Ela defende o ponto fundamental da inclusão do tema do trabalho decente, além de dar voz para a população regional.
A conferência de encerramento foi feita por Marcela Soares, professora da Escola de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela é autora do livro "Escravidão e dependência: opressões e superexploração da força de trabalho brasileira". A mediação foi de Ricardo Dib Taxi (CCTE/UFPA).
“Somos perversamente desiguais”, disse Marcela ao falar de uma sociedade na qual as pessoas são controladas pelo dinheiro. Ela apontou a necessidade de justiça climática e solidariedade de classe “não entre capital e trabalho, porque não existe camaradagem entre capital e trabalho”, argumentou.
Grupos - Na programação de quarta-feira (15) aconteceram encontros de grupos de trabalho com os temas: “Cadeias produtivas na Amazônia: capital e exploração”, “Vulnerabilidades e interseccionalidades: as diversas faces da escravidão na Amazônia”, “Desafios para o combate ao trabalho escravo contemporâneo na Amazônia” e “Trabalho análogo ao de escravo e sistema judiciário”.
Filme - Durante a programação de terça, foram sorteadas cortesias entre os participantes. Vinte deles puderam participar da roda de conversa que aconteceu no dia 16 de maio, de 10h às 12h, no Cine Líbero Luxardo. Na oportunidade, foi exibido o documentário “Servidão”, do diretor Roberto Barbieri, presente na sessão.