As mudanças climáticas na Amazônia foram tema de Seminário no TRT-8
O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Pará e Amapá) realizou na última sexta-feira, 6, em Belém, o seminário “Mudanças Climáticas na Amazônia”, destacando os efeitos do clima sobre o mundo do trabalho. Para falar sobre o tema, o evento recebeu nomes como o Prof. Dr. Francisco de Assis Costa, da Universidade Federal do Pará (UFPa), o ministro Alberto Balazeiro, coordenador do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, o pesquisador Dr. Daniel Pires Bitencourt, a desembargadora Suzy Koury e o desembargador Paulo Isan Júnior, do TRT-8.
Gestor regional do Programa do Trabalho Seguro, o desembargador Paulo Isan Júnior destacou como a Justiça do Trabalho pode e deve se enxergar como sujeito dessa luta. “Devemos humildemente reconhecer que é algo que está sendo discutido há muito tempo, mas nós ainda não nos apropriamos adequadamente disso. Nós somos desafiados por litigância climática todo o santo dia, só que de maneira que não ganha esse nome. Nós trabalhamos com ações envolvendo adicional de insalubridade, envolvendo calor. Isso é litigância climática no atual contexto. E, portanto, nós temos que nos capacitar”, declarou.
Ainda de acordo com o gestor, o seminário “Mudanças Climáticas na Amazônia” faz parte de uma agenda de eventos nacionais promovidos pela Gestão Nacional do Programa Trabalho Seguro, uma iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). “Esse é o seminário da Região Norte. Nós tivemos outros quatro, um em cada região geográfica do país, sendo este o de encerramento do ano, focado em temas da Região Norte e da Amazônia”, acrescentou.
MESA DE ABERTURA
Em sua mesa de abertura, o evento contou ainda com a presença do então presidente do TRT-8, desembargador Marcus Augusto Losada Maia; do superintendente regional do Trabalho e Emprego no Pará, Paulo Cesar Gaia; da procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá, Rejane Alves; e do coordenador do curso de Direito do Cesupa, Prof. Dr. Arthur Laércio Homci.
“Vi que um dos temas é a exposição dos trabalhadores ao calor. Quero crer que isso realmente mude. Se, trabalhando em salas climatizadas, nós sentimos essa mudança no clima, imagine na luz do sol direta, no calor. E esta discussão também é importante para nos prepararmos para a COP 30, em Belém. Queremos participar porque o ambiente de trabalho deve ser tema a ser levado em consideração. Este [seminário] já é um evento muito importante para debater, colocar o tema na mesa”, reiterou o desembargador Marcus Augusto Losada.
“É uma imensa alegria ver o TRT-8 levantar a temática das mudanças climáticas”, declarou também o superintendente Paulo Gaia. “A responsabilidade de um juiz é muito séria e indispensável. Eles devem se atualizar. Não se pode julgar sem levar em consideração a realidade - neste caso, a das mudanças climáticas. Nós evoluímos de 14 horas de trabalho, com crianças em chão de fábrica, para hoje discutir o trabalho de quatro dias na semana, a qualidade de vida do trabalhador e o desafio das mudanças climáticas. A realidade muda e as leis, as instituições, precisam acompanhar isso”, completou.
Por fim, Rejane Alves lembrou como falar de mudanças climáticas parecia algo distante poucos anos atrás. “Hoje constatamos as alterações, elas estão aí. Nós que lidamos com o trabalho precisamos olhar como o clima influencia nessa área da vida das pessoas e como o trabalho também repercute nessas mudanças. A questão humana está na centralidade do debate sobre mudanças climáticas. Sobre a COP 30, não podemos perder a oportunidade de pautar, de dar diretrizes de vanguarda, não podemos aceitar apenas o que vem de fora e não vive a realidade da Amazônia”.
ECONOMIAS
O seminário iniciou, às 10h, com a palestra “Mudança climática, economias referidas a biomas e trabalho na Amazônia”, com o professor da UFPA, Dr. Francisco de Assis Costa, referência mundial sobre o tema. Ele começou apontando pesquisas sobre o tema e destacando como as mudanças climáticas estão ocorrendo em velocidade e impactos muito maiores do que era projetado pelos cientistas. “As previsões que já eram alarmantes, agora vemos que estão antecipadas. A frequência das grandes inundações, por exemplo, que era de 100 anos, passam a ocorrer a cada 10 anos. E quando a frequência muda, o mesmo ocorre com a intensidade desses fenômenos”.
O professor destacou alguns gráficos que mostram os dados de emissão de gases de efeito estufa e como é desigual o peso de único país, como a China, que causa mais destruição do que continentes inteiros. “Estamos aí discutindo, discutindo… Baku [onde ocorreu a COP 29, este ano] mostrou isso. Estamos indo para o buraco e não tomamos providência. Como se explica isso? Os físicos estão trazendo informações há 30 anos, o tempo todo, mas entra na cabeça de todos como abstração”, lamenta. “São duas faces: você precisa de política de redução de emissão e de política de aumento da capacidade de retenção, pois os danos são cada vez maiores”, acrescenta.
O professor explicou ainda sobre o que seria o “ponto de não retorno”, em que a floresta amazônica entrará em colapso sem que isso possa mais ser freado. Abordou a questão de medidas como o reflorestamento, o uso da terra e as economias que têm causado maior destruição, muitas delas interligadas. Por fim, comentou sobre os sistemas agroflorestais.
“O reflorestamento é central, mas há necessidade também de pensar a contenção de economias que destroem, assim como dar incentivo a economias que ajudam na reprodução do bioma, se associa a ele, como é o caso das agroflorestas, que tem como referência o bioma vivo. É um sistema que pode vir como estratégia de contenção e até de recuperação do bioma original”, considera.
Na sequência, a desembargadora Suzy Elizabeth Koury ministrou a palestra “Bioeconomia e Trabalho na Amazônia: de onde viemos e para onde vamos”. Ela apresentou o histórico da exploração econômica, dos recursos naturais, na região amazônica. E ainda, como tudo isso, desde sempre, influenciou na vida local, especialmente das pessoas que vivem outra realidade, bem diferente dos interesses de mercado e do que costuma ser considerado desenvolvimento. “A mudança nesse cenário que temos perpassa pela população tradicional da amazônia e pelas leis. Na mineração, observo como as normas coletivas são negociadas com sindicatos cada vez mais fragilizados. Temos aí cadeias como a do dendê que vende uma falsa ideia de reúso de terras degradadas, mas que na verdade já foram sítios camponeses, que serviam a atividades como a caça, a pesca, o plantio que respeita o bioma local, como colocou o professor Francisco”, pontuou a magistrada.
EXPOSIÇÃO AO CLIMA
Colaborando com o que já vinha sendo apresentado, o pesquisador Dr. Daniel Pires Bitencourt ministrou a palestra “Trabalho a céu aberto: passado, presente e futuro sobre exposição ocupacional ao calor”, entrando em detalhes sobre o aumento das temperaturas ou quedas extremas e como isso tem afetado os trabalhadores. “As mudanças climáticas no ambiente de trabalho são questões de saúde e segurança. O calor pode causar tontura e levar a acidentes que podem afetar o trabalhador e até colegas próximos. Imagine ele dirigindo uma máquina pesada”, exemplificou.
Também foram apontados pelo pesquisador outras situações relacionadas, como a poluição do ar e os altos índices de radiação solar. “Às vezes, a temperatura até está amena e o trabalhador acredita que está confortável, mas os índices de radiação solar são altos e quando ele se expõe regularmente a ela, lá na frente pode apresentar doenças como o câncer de pele. Isso, inclusive, pode surgir só no fim da carreira e ele não associar isso ao fato de ser uma doença ocupacional, relacionada ao trabalho. Também há trabalhadores que enfrentam ondas de frio, tempestades que podem afetar trabalhadores como os da pesca”. Por fim, o pesquisador apresentou o aplicativo IBUTG, que auxilia trabalhadores, empregadores e profissionais de SST na avaliação da exposição ocupacional ao calor.
SOLUÇÕES COLETIVAS
A conferência de encerramento ocorreu com a presença do ministro Alberto Balazeiro falando sobre “O processo estrutural no enfrentamento das mudanças climáticas”. “A ideia de processos estruturais é que existem problemas cuja profundidade, principalmente, cujas soluções, não podem ser simplesmente advindas de um processo no poder judiciário. A ideia é que nós tenhamos soluções profundas para problemas profundos”, afirmou. E isso poderia ser aplicado aos casos trabalhistas que vêm surgindo como fruto das mudanças climáticas, considerou a seguir.
O ministro citou o romance “A vida nos bosques”, em que o autor faz uma análise de quando se quer solucionar um problema, afirmando que há dois caminhos: “Ou você ataca as raízes do problema, ou você ataca os galhos”. E resolver questões complexas como os impactos das mudanças climáticas exige ir à raiz do problema, considera o magistrado.
O processo estrutural, segundo ele, apesar de ser excepcional devido à sua complexidade, auxilia o Judiciário a enfrentar a alta litigiosidade verificada no país, sendo muito afeito às ações coletivas, tendo como agentes importantes o Ministério Público do Trabalho e os sindicatos, além da advocacia, as defensorias públicas e outras instituições. Afinal, destacou o magistrado, o juiz não age sozinho no processo estrutural: a solução normalmente é fruto de um debate coletivo e consensual, incluindo audiência pública com comunidades atingidas. “É trabalhoso, mas muito mais eficaz”, pontuou.
Texto: Lais Azevedo/Secom TRT-8