Pesquisa sobre neoliberalismo foi apresentada durante simpósio no TRT-8
O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8) recebeu na última semana, dias 18 e 19 de junho, o Simpósio Internacional Neoliberalismo e Alternativas, em parceria com a Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Pará (ESDPA) e a Universidade Federal do Pará (UFPA). Entre as mesas de debate, destacou-se a conferência de abertura “Da Nova Razão do Mundo à Guerra Civil”, com Pierre Dardot e Christian Laval, professores da Universidade de Paris – Nanterre, na França, e co-fundadores da rede de pesquisa Gena. Durante o evento, inclusive, foi oficializado o Gena-Amazônia, novo braço desta rede de pesquisa internacional sobre o neoliberalismo e suas consequências.
Em entrevista à Secom do TRT-8, Pierre Dardot comentou que a decisão de realizar o evento em Belém se deu porque a Amazônia é também impactada, “talvez mais que algumas outras regiões do Brasil e do mundo”, pela lógica neoliberal. E que os debates dentro do ambiente do TRT-8 permitiram dialogar sobre uma das principais consequência do neoliberalismo: “as formas novas do trabalho, que colocam em xeque alguns direitos fundamentais, levando ao trabalho precário e informal”, apontou.
Já durante a conferência de abertura, o primeiro a falar foi o professor Laval, com um histórico do neoliberalismo. “Nós estamos sempre conectados com a realidade em nossas pesquisas. E quando escrevemos nossos livros, esperamos que tenham impacto especialmente na política”, pontuou Laval. E foi em busca de novas conexões, que ele diz ter se liberado de uma visão do neoliberalismo apenas na Europa e Estados Unidos. “Não estava vendo como ele se instalou em outras partes do mundo. Quando em contato com a América Latina, entrou em questão, por exemplo, os golpes militares em países como Chile, Argentina e Brasil, impondo questões econômicas e sociais à população, todas muito típicas do neoliberalismo”.
Ele destacou ainda um engano comum entre quem ouve falar neste assunto: “Neoliberalismo não é a ausência de Estado, mas um Estado novo, que absorve e adota uma mentalidade de capital/empresa. Ele deixa de lado a sua vocação de Estado educador, de garantia da saúde, da educação, e, em seu lugar, entram questões como ‘performance’, ‘gastos’, ‘investimento’, uma visão de empresa, não de cuidado do povo”. Além disso, alerta: “O neoliberalismo se alimenta das crises para se impor, para colocar a ideia de concorrência e performance - nunca de democracia”.
Dardot acrescentou que muitas formas de neoliberalismo foram observadas por ele e colocadas em seu livro “A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo”, de 2021. Ele observa movimentos em países como a Hungria, Polônia, Itália, Brasil, que aliam o neoliberalismo a uma questão autoritária, e fala desse segmento, desse “neoliberalismo autoritário”. “No caso da ditadura do [general Augusto] Pinochet, no Chile [entre 1973 e 1990], a gente não tem dificuldade em visualizar esse autoritarismo no neoliberalismo, o que é diferente do neoliberalismo do [presidente Emmanuel] Macron, na França, com um ‘neoliberalismo progressista’. Tivemos [na França] leis que possibilitam o Executivo passar por cima de mecanismos de administração pública, algo altamente autoritário, mas sutil, mascarado como progresso”.
Outra face do neoliberalismo, apontou Dardot, é alterar a visão da população sobre as leis. “Antes tidas como uma forma de nos proteger dos abusos do poder, a lei passa a colocar o direito individual sobre tudo, como forma de proteger contra a democracia. Observa-se isso em situações como a reforma da aposentadoria no governo Bolsonaro”, aponta. Outro exemplo dado foram as afirmações do candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump sobre o judiciário. “Ele disse que se eleito vai modificar o judiciário americano. E foram eles, o judiciário, a resistência sobre as suas medidas [neoliberais]. Vemos com Bolsonaro aqui no Brasil a vontade de botar fim ao judiciário”.
O professor reforçou que é preciso estar muito consciente sobre essa movimentação do neoliberalismo pelo mundo sob diferentes faces. “Pela primeira vez nós temos uma polarização política que leva o neoliberalismo para uma extrema direita”, diz ele, citando o caso da Argentina com o seu novo presidente, Javier Milei.
Ao longo da palestra os dois professores também colocaram outros pontos, como a crise dos anos 1920 e 1930, que trouxe a crise do liberalismo, da ideia do “livre mercado”, e que para manter essa soberania do mercado precisou olhar para o lado jurídico, político, criar mecanismos nessas áreas para manter a soberania do mercado - “assim nasceu o neoliberalismo”, lembrou Laval.
Provocado por uma pergunta da plateia, o professor Dardot também comentou que o incomoda o termo “pós-neoliberalismo” porque, segundo ele, “se não há uma ruptura, não há que se falar em ‘pós’”. Diante de outra pergunta da plateia, aproveitou para destacar que “o modo de governar é um ponto importante” e ainda, que “protecionismo não é incompatível com neoliberalismo”, dando o exemplo da China, que usa o protecionismo para garantir o espaço das suas grandes empresas de alta tecnologia, sendo um governo neoliberal.
A expectativa dos dois pesquisadores é que a visita à Amazônia renda avanços nas pesquisas sobre o assunto. “A nossa pesquisa está sempre se renovando e esse é o tipo de ocasião para nós que permite a troca de ideias com outras pessoas que não têm necessariamente a mesma tradição ou a mesma forma de pensar, pessoas de outras realidades”, comentou Dardot, à Secom TRT-8.
Texto: Lais Azevedo / Fotos: Lais Brasileiro / Secom TRT-8
#ParaTodosVerem: Imagem 1 - Sentados à mesa de conferência, no auditório do TRT-8, palestram Christian Laval e Pierre Dardot. Entre eles está o mediador, o professor Jean-François Deluchey. Imagem 2 - O público, de costas, em primeiro plano, assiste à mesa de conferência à frente, onde estão os professores Christan Laval, Jean-François Deluchey e Pierre Dardot.