TRT8 na COP30: Programa Trabalho Seguro e as mudanças climáticas na Amazônia

O país está em pleno Abril Verde, mês dedicado a conscientizar sobre a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. E é nele que o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8) - Pará e Amapá inicia esta série de entrevistas para abordar questões ligadas à relação entre trabalho e clima. São pautas que a Justiça do Trabalho deve levar à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), durante sua realização, de 10 a 21 de novembro, em Belém.
E começamos conversando com o desembargador do TRT8, Paulo Isan Coimbra Júnior, membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, criado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e considerado fundamental para a realização de debates sobre o tema. “Este é um programa da Justiça do Trabalho que nasce de uma constatação da realidade. No dia a dia, nós, da Justiça do Trabalho, enfrentamos nos processos várias situações de acidentes, e a esmagadora maioria das vezes são acidentes de trabalho evitáveis. O Programa nasce justamente para promover uma articulação e movimento de conscientização para prevenir os acidentes de trabalho”, define.
Tal articulação e atuação, explica o magistrado, são norteadas por diversas normas que tratam da saúde e segurança no trabalho - e isso em vários níveis. “Se nós olharmos a nossa Constituição, nós vamos ter normas de saúde e segurança do trabalho. Há diversos tratados internacionais de direitos humanos, tratados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que versam sobre a matéria. Mas propriamente dentro do Brasil, nós temos um conjunto de normas - chamadas Normas Regulamentadoras (NRs) - que são produzidas no âmbito do Ministério do Trabalho”.
Estas normas têm uma peculiaridade. “Elas são marcadas pelo que se chama de tripartismo. Há uma espécie de conselho, composto por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores, que sentam e debatem estas normas de saúde e segurança do trabalho, como é o caso da NR-1, NR-2, NR-15”, exemplifica sobre o surgimento dessas normas regulamentadoras. A NR-1, por exemplo, define orientações gerais para a implementação de medidas preventivas no ambiente de trabalho, como as responsabilidades de empregadores e trabalhadores, além de orientações para criação e manutenção do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) nas empresas.
E não adianta normas sem fiscalização. Neste âmbito, o magistrado destaca que, no Brasil, as instituições de maior importância para a fiscalização dessas normas são o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sobretudo a Secretaria de Inspeção do Trabalho, além da própria Justiça do Trabalho (JT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Essas três instituições públicas têm papel fundamental no acompanhamento das normas de saúde e segurança. Mas eu queria destacar também o papel dos sindicatos, não só de trabalhadores como de empregadores, que também atuam sobre essa questão. Eles conhecem a realidade atual. Em tempos em que se dá um valor extraordinário às convenções e acordos coletivos de trabalho é indispensável que se tenha muita clareza quanto aos limites e os objetivos das normas de segurança do trabalho”, acrescenta.
OUTRO CLIMA
E nada mais natural que questões climáticas tenham adentrado essa pauta, passando a estar no radar das entidades que zelam pela saúde e segurança no trabalho e presente nas NRs. “As mudanças climáticas agravaram muito os riscos nos ambientes de trabalho. Nós podemos falar de aumento das temperaturas, poluição do ar, aumento da incidência dos raios ultravioleta, exposição maior a agrotóxicos, exposição a eventos climáticos extremos. E todas essas situações ganham especificidades na Amazônia”, afirma.
O mais visível, aponta o desembargador Paulo Isan Junior, é o calor extremo. “Aqui já é quente, espera-se que o trabalho ocorra em um ambiente quente, mas com as mudanças climáticas os episódios de calor extremo estão aumentando - ano passado Belém teve aproximadamente 50 dias de calor extremo e se espera que isso quadruplique em 30 anos. Mas parece que não há, até o momento, maior preocupação na adaptação dos postos de trabalho, no horário de trabalho. Não é raro analisar o Programa de Gestão de Riscos (PGR) em grandes empresas na Amazônia e elas não mencionarem a palavra ‘calor’ em nenhum momento”.
O magistrado dá especial destaque para essa ausência nos últimos quatro anos, coincidindo com a alteração da NR-15. “É a norma regulamentadora que elenca as situações em que se reconhece a insalubridade, e houve uma alteração em 2019 que rebaixou o nível de proteção justamente em relação à exposição ao calor. Isso é um contrassenso em tempos de mudanças climáticas”, criticou. A resposta foi que muitas empresas passaram a ignorar o calor como fator de risco no ambiente de trabalho, como foi notado nos PGRs. “Como é possível levar a sério esse calor extremo se ele sequer está sendo monitorado no âmbito das empresas?”, questiona.
Há ainda questões como a poluição e o aumento das queimadas. “As pessoas estão vivendo e trabalhando envoltas em nuvens de fumaça. Há eventos climáticos extremos como a seca dos rios da Amazônia, quando as pessoas nem conseguem sair para trabalhar. A dinâmica econômica fica totalmente prejudicada, e aqui pouco importa se é empregado, pessoa jurídica, se é MEI, se é um trabalhador ‘plataformizado’, o fato é que essas mudanças climáticas estão impactando muito esse grupo particularmente vulnerável, que são os trabalhadores na Amazônia”, aponta.
E se a realidade é dura na selva de pedra das grandes metrópoles (são mais de 2 milhões de pessoas vivendo apenas na Região Metropolitana de Belém), não é diferente no campo - ou talvez seja ainda mais preocupante, segundo o magistrado. “Nós, enquanto estado brasileiro, temos um déficit gigante com os trabalhadores rurais, até pelo simples fato de termos demorado mais de 30 anos para regulamentar o trabalho rural, em relação ao trabalho urbano. E em tempos de mudanças climáticas, essa categoria dos trabalhadores rurais precisa ter uma atenção especial”.
Boa parte destes trabalhadores atuam a céu aberto, expostos a intempéries e mudanças de clima. “O que a gente percebe é que muitas vezes as condições que eles trabalham são tomadas como imutáveis - ‘porque sempre foram assim, sempre serão’, ‘porque assim trabalhou meu pai, meu avô, meu bisavô’ -, mas as condições climáticas de trabalho do seu bisavô não mais existem, a quantidade de calor, a quantidade de radiação que um trabalhador no campo hoje recebe é muito maior do que no passado”, alerta.
E é preciso ressaltar um ponto: as condições de trabalho estão ficando tão ruins que as novas gerações estão tomando essas profissões como penosas e não querem mais trabalhar com seus pais no campo, não querem mais substituí-los em seus postos de trabalho - e não estão erradas. “Nós precisamos trabalhar fortemente para que a adaptação dos postos de trabalho às mudanças climáticas cheguem ao campo, tornando o trabalho mais seguro e menos penoso. É inadmissível esse tipo de critério de ‘sempre foi assim’. Até porque um dos princípios do Direito do Trabalho é o patamar mínimo civilizatório, um segundo princípio é melhorar as condições de trabalho. Então nós precisamos trabalhar fortemente para que as condições do trabalho no campo melhorem”.
Texto: Lais Azevedo | Arte gráfica: Lais Brasileiro | Secom TRT-8